13.5.10

Constituição Federal versus Tratados Internacionais de Direitos Humanos: primazia da norma mais favorável

O ministro Celso de Melo relata em caso do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão da infidelidade depositária. O ministro considera abolido o instrumento processual que causa a prisão do depositário infiel baseado nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro.
Foi deferido o pedido de Habeas Corpus preventivo pelo relator, anteriormente o caso havia passado pela 4ª Vara de Feitos Tributários em Belo Horizonte (MG) que julgou o impetrante Demétrios Nicolaos Nikolaidis como depositário infiel por não ter devolvido bens penhorados. O paciente alegou que os bens recebidos desapareceram e que não possuía verba para quitar a dívida com a Fazenda Pública do Estado de MG.
A defesa impetrou HC preventivo no Tribunal de Justiça de Minas Gerais que foi denegado. Tentou no Supremo Tribunal de Justiça e foi indeferido. Chegando ao STF sustentando a inconstitucionalidade da prisão baseado no Pacto de São José da costa Rica e no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988.
A Procuradoria Geral da República se posicionou contra o deferimento do HC defendendo a prevalência da Constituição Federal e expondo o caráter infraconstitucional do Pacto de São José da Costa Rica.
O voto do ministro Celso de Melo elucida a questão do papel dos Tratados Internacionais de direitos humanos relacionados ao direito interno brasileiro. O mesmo defende, com razão, que a CF e as declarações internacionais se adéquam através da interpretação. Para melhor atender as exigências das transformações da sociedade contemporânea e extrair a maior eficácia das normas internas e externas, serão aquelas mais favoráveis as escolhidas para o critério de interpretação.
A CF no artigo 5º, LXVII extingue a prisão por dívida, exceto nos casos de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Já o artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos dispositiva que ninguém será preso se apenas não cumprir uma cláusula contratual; a Declaração Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 7º, §7º, versa a exclusiva prisão do devedor de alimentos.
Visto que a norma mais favorável que servirá como fundamento de interpretação, vê-se nas declarações citadas que elas são peças complementares e fundamentais para garantir a justiça social. Tratando-se de Direitos Humanos, o Estado que reconhece uma declaração que beneficia o sujeito humano garante à sociedade autonomia e atuação perante as normas internas e externas.
Foi a Declaração de Viena, em 1993, que entregou aos Estados o compromisso de promover o respeito universal e proteção dos Direitos Humanos. A prática da prisão por dívida vem sendo extinta desde a Roma Republicana, e hoje, no âmbito do direito comparado. É no espaço entre os tratados internacionais e a legislação interna que o intérprete fará um diálogo entre os dispositivos para deliberar uma decisão justa.
O ministro entende que a CF vedou a prisão por dívidas e deixou a possibilidade de o legislador deliberá-la nos casos de obrigação alimentícia e depositário infiel. A CF não estaria obrigando, mas permitindo a discrição do Poder Legislativo. Portanto, é legítimo o uso da normatividade dos instrumentos internacionais ratificados pelo país.
Os tratados e convenções internacionais de direitos humanos estão impregnados de constitucionalidade, podendo ser considerados supralegais e terão primazia hierárquica; eles não afrontam a CF e podem ser usados sempre para complementá-la, ampliá-la ou especificá-la nos direitos e garantias presentes.
Estes tratados, que versam sobre os direitos humanos, fazem parte do chamado bloco de constitucionalidade por formarem um conjunto normativo materialmente compatível com a CF, de acordo com sua função e princípios nela consagrados.
A partir da Emenda Constitucional 45 de 2004, os tratados internacionais de direitos humanos, que estiverem de acordo com o artigo 5º, §3º da CF, terão equivalência a emendas constitucionais.
O artigo citado diz que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos devem ser aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, para se tornarem equivalentes às emendas constitucionais.
É assim o regime jurídico misto que distingue os tratados em duas categorias: normais e de direitos humanos. Estes podem ser materialmente constitucionais (Tratados em que a República Federativa Brasileira faça parte – artigo 5º, §2º da CF/88) ou materialmente e formalmente constitucionais (artigo 5º, §2º e 3º da CF/88).
Entendendo o papel das declarações de direitos humanos em face da nossa Constituição Federal, fica claro, pelo exporto por Celso de Melo, que o diálogo entre as fontes internas e externas é necessário à interpretação judicial para atender as exigentes e difíceis demandas atuais. E o papel das convenções e tratados internacionais versarão sobre as decisões independentemente de seu caráter supralegal ou constitucional natural.

4.4.10

A (re) invenção dos Direitos Humanos - Joaquim Herrera Flores

O autor do texto “A (re) invenção dos Direitos Humanos” considera os direitos humanos necessários para a formulação de uma base mínima de direitos que atinjam todos os indivíduos igualmente. Diz que o grande desafio do século XXI é esta formulação que já move todo o cenário internacional.

Foi a partir da criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que a comunidade internacional mobilizou-se para construir uma teoria desta nova perspectiva de direitos em conjunto com as práticas sociais emancipadoras.

Flores (2009) diz que o compromisso de “‘colocar frases’ às práticas sociais de indivíduos e grupos que lutam cotidianamente (...)” pertence a quem reflete sobre os direitos humanos. Estes grupos são resultados de um mundo desigual, marcado pela violência, discriminação e pela intolerância multicultural, as quais dificultam a convivência individual e social. Quando as “frases forem colocadas” algumas situações concretas serão transformadas em fatos mais justos. Ele também acredita que os
Direitos Humanos fazem parte de um ideal a conseguir. Este ideal se concretizará no momento em que os fatos sociais transformarem-se naqueles outros mais justos.

Com o nascimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pode-se deparar expresso logo no primeiro e segundo artigos, que a sociedade mundial ganha garantia dos direitos apenas por portarem a condição e existência humana.

Fora essa condição, são os processos e lutas sociais por direitos essenciais à vida que constroem paulatinamente uma garantia e eficácia jurídica para esses novos direitos.

Os bens exigíveis, - convicção religiosa, moradia, educação, cultura, saúde etc.- para se viver dignamente, são os objetivos das lutas sociais. E estas são os instrumentos construtores de uma nova condição de vida.

Flores justifica bem as lutas, apontando que sua causa é a inexistência de uma justa distribuição e acessibilidade aos bens exigíveis. E os motivos geradores de dificuldade no acesso dos bens por alguns grupos, seriam as divisões sociais, sexuais, étnicas e territoriais do ser humano.

Em conseqüência da definição e justificativa dos Direitos Humanos, o autor faz entender, claramente, que é “a dignidade igualitária” a finalidade de todo este processo de construção internacional.

Para alunos iniciantes do estudo dos direitos humanos, o conhecimento passado por Flores - que é claro, objetivo e com linguagem simples – é necessário para a abertura do interesse sobre a matéria.

Por fim, os leitores apreendem que os envolvidos neste novo saber jurídico precisam, ao mesmo tempo, abstrair e materializar a concepção de direitos humanos. E serão a reflexão e dinamização do assunto que darão instrumentos para que os atores sociais permaneçam em suas lutas.

Já numa visão geral do texto, o professor faz bem entender que a (re)invenção dos direitos humanos acontece por eles terem nascido com o homem - possuírem existência inerente a condição humana, bem mais antiga que a Declaração dos Direitos Humanos nascida posteriormente, em 1948. E toda esta nova invenção se faz importante na garantia de um parâmetro internacional mínimo de combate à violação dos direitos dos homens.